domingo, 29 de setembro de 2013

Família do Bagulho

Família do Bagulho [We're The Millers, EUA, 2013. Direção: Rawson Marshall Thurber]
Pela segunda semana seguida, uma família disfuncional e politicamente incorreta tentando aderir aos hábitos mais tradicionais chega aos cinemas brasileiros. Se na semana passada, uma família verdadeira protagonizada o surpreendente A Família, nesta semana, uma família forjada intitula este Família do Bagulho, que está bem longe de surpresas, algo que não anula seus méritos.

Nosso protagonista é David (Jason Sudeikis), um homem à beira de seus quarenta anos que vive sem muitos compromissos e sustenta-se como um traficante pequeno, que vende drogas para conhecidos e vizinhos e é chefiado por Brad (Ed Helms, caricato), um criminoso bem maior. Quando David acaba tendo seu apartamento roubado após envolver-se numa briga com alguns jovens, ele perde todo o dinheiro dos negócios e as drogas que mantinha no local, e acaba recebendo de seu chefe uma dura missão para quitar as dívidas: ir ao México buscar uma determinada quantia de maconha com outro traficante e voltar aos Estados Unidos - por terra -, sem levantar suspeitas da polícia a respeito do que estava carregando ao atravessar a fronteira, por sua conta e risco. Sem enxergar outra opção, o traficante acaba topando o trabalho, mas agora terá que pensar numa estratégia para burlar a rígida vigilância americana, já que sua aparência não é das mais favoráveis para fazê-lo. 

Com isto se dá o conflito que move a trama, já que sua única opção para realizar o serviço será fingir ter uma família e levá-los nesta viagem, e as únicas pessoas que ele pensará em chamar para entrar em seu esquema e formarem sua família são sua vizinha Rose (Jennifer Aniston), uma stripper, seu vizinho Kenny (Will Poulter), um garoto sem muitas experiências vividas, e Casey (Emma Roberts), uma jovem delinquente que fugiu de casa. Basicamente, os três escolhidos - com a promessa de remuneração - são possivelmente as pessoas mais inadequadas para formarem uma família tradicional - juntamente com o próprio David -, mas ainda assim, são os únicos que topariam realizar algo assim. A partir deste ponto, os quatro partirão num trailer até o México e de volta, enfrentando diversas dificuldades no percurso - que variam desde um traficante os perseguindo até uma outra família que insiste em tê-los como amigos.

Infelizmente, a partir deste ponto também já torna-se possível prever o que ocorrerá entre as personagens principais apresentadas pelo roteiro inexplicavelmente escrito por oito mãos, sendo estas as de Bob Fisher, Steve Faber, Sean Anders e John Morris - que ainda não realizaram nada de excepcional em suas carreiras -, basicamente constituindo naquela dinâmica inicial de conflitos e ofensas trocadas entre personalidades extremas e agressivas, até que com o tempo e a jornada vivenciada no percurso, estas personalidades vão se conhecendo melhor, enfrentando as dificuldades juntos e acabam se importando, gostando e identificando-se com os problemas um do outro. A comédia se apropria da propícia estrutura de um road movie para isto, que tanto é habitual num longa que apresenta uma jornada de mudanças entre suas personagens quanto para justificar exageros em suas conveniências - algo parecido foi utilizado ainda neste ano em Uma Ladra Sem Limites. No caso de Família do Bagulho, o clima de road movie contrasta ao trazer algumas das grandes qualidades do filme e também alguns de seus maiores defeitos.

É interessante a ideia de presenciar pessoas como as abordadas aqui sendo colocadas para interpretar o Sonho Americano, de certa forma, ao viverem a família tradicional, e se observá-los tendo que personificar verdadeiros bobalhões para adequar-se a isto pode ser visto como satiricamente divertido, é uma pena que o roteiro não tenha a competência necessária para desenvolver um comentário crítico mais profundo a respeito desta mesma questão e suas necessidades superficiais em manter as aparências que sigam os moldes mais tradicionais do costume capitalista - que é justamente o que os protagonistas estão fazendo, e este será o grande conflito particular de cada um. Pensando melhor, apenas de Rose, que tenta provar que poderia ser uma "mãe digna" apesar de sua profissão, e Kenny, que busca aparentar um amadurecimento com o qual ainda não conta. O longa consegue, porém, ter a competência de atribuir força a suas personagens, em especial a Rose, que ganha ainda mais com o melhor trabalho do elenco, o de Jennifer Aniston - que, também com relação a sua beleza, parece apenas melhorar com o tempo. O personagem de Jason Sudeikis mostra-se durante toda a projeção como um homem inseguro em relação ao controle de seu plano, mas com uma personalidade que abusa da autoconfiança, sarcasmo e respostas agressivas para demonstrar ainda estar no controle de todas as situações que vivencia. Will Poulter e Emma Roberts são jovens atores que, aqui, pouco demonstram além da apatia, mas é Nick Offerman com seu escoteiro-aos-quarenta quem rouba todas as cenas em que surge, embora o desfecho dado ao seu personagem esteja bem aquém dos esforços do ator.

Mas este desfecho representa bem o espírito de um longa que, já na maturidade da projeção, acabou rendendo-se à algumas conveniências desnecessárias - espero que alguém consiga achar explicações para que aqueles quatro continuem tratando-se como uma família verdadeira mesmo quando estão sozinhos, ou a necessidade do roteiro em elaborar que havia outro traficante igualzinho a David se dirigindo à receber as encomendas de maconha no local combinado, e menos ainda a saída que o roteiro nos dá para a polícia ter deixado-os passar de volta aos EUA. Ainda assim, não posso ignorar os méritos de uma obra esperta o bastante para abraçar o humor politicamente incorreto - sem exageros gigantes -, que rende momentos divertidos o bastante para tornar a produção eficiente como um divertimento escapista para os espectadores, desde os mais atentos às diversas referências pop que surgem especialmente nas falas de David até os maiores fãs do humor físico - que, bem ou mal, ainda é capaz de gerar algumas risadas -, mas principalmente àqueles que se concentrarem nas boas interpretações que nos são entregues, cujos destaques ficam por conta das sequências em que a família Miller interage com a família Fitzgerald, e o desconforto que nos é passado pelos protagonistas na tentativa de manter as aparências sem dúvida é bastante cômico - também deixo o destaque para a cena em que Kenny beija pela primeira vez praticando com sua irmã e sua mãe falsas. Se não contasse com a força de seu elenco, Família do Bagulho provavelmente passaria desapercebido, e esta afirmação infelizmente vem sendo uma constante na maioria das comédias americanas lançadas durante este ano.

Mas o grande problema do longa dirigido por Rawson Marshall Thurber - que adota uma abordagem bastante tradicional na função, diga-se de passagem -, inclusive como divertimento escapista, é sua duração, grande demais para ser preenchida com equilíbrio por momentos cômicos. Mas como o crítico Márcio Sallem afirmou numa conversa que tivemos pouco antes de eu finalizar este texto - e espero que ele não se incomode de tê-la citado aqui - Hollywood recentemente tornou-se uma especialista em trazer produções mais longas do que estas deveriam ser. Infelizmente, para o cinéfilo.

[Avaliação final: **¹/2]

Até a próxima.

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