segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Álbum de Família



August: Osage County, EUA, 2013. Direção: John Wells. Roteiro: Tracy Letts, com base em sua própria peça teatral. Elenco: Meryl Streep, Julia Roberts, Ewan McGregor, Chris Cooper, Margo Martindale, Abigail Breslin, Julianne Nicholson, Juliette Lewis, Dermot Mulroney, Benedict Cumberbatch, Sam Shepard. Duração: 121 min. Lançamento no Brasil: 27 de dezembro de 2013, nos cinemas.

Os círculos de confiança nos apresentados pelo Cinema norte-americano e seus valores conservadores costumam ser encabeçados pela família. Recentemente, podemos perceber um movimento artístico proposto a - positivamente - subverter estes costumes, desconstruindo as relações familiares tradicionais como aprendemos erroneamente a conhecer e refletindo uma sociedade onde o valor da confiança é cada vez mais escasso. Álbum de Família, através da conturbada família Weston, realiza este estudo num dos esforços mais interessantes deste movimento.

Beverly Weston (Sam Shepard, de Amor Bandido) acaba de contratar uma funcionária para trabalhar em sua casa e de sua esposa, Violet (Meryl Streep, de Um Divã Para Dois), provocando a irritação nela por fazê-lo. Enquanto o homem, melancólico e alcóolatra, mantém-se calmo e neutro a tudo o que ocorre, enquanto ela, viciada em medicamentos, exalta-se e perde o controle sobre todas as situações; em nenhum momento nota-se uma relação mais estreita entre eles, ou sequer a presença de relações com os filhos. A presença era praticamente inexistente, realmente, até a partida do patriarca, que desaparece da casa sem oferecer quaisquer explicações à esposa e gera preocupação nesta e nos filhos, que previsivelmente depois viriam a descobrir a morte de Beverly. A situação obriga todos os parentes mais próximos do casal a reunirem-se novamente na casa onde estes moram, e claramente gera desconforto entre os presentes, que embora ligados como família, há tempos não passam por uma aproximação como esta e, desde então, passaram por diversas situações conflituosas e mudanças em suas vidas, influenciando diretamente nos explosivos eventos deste encontro.

A situação em que os Weston, aqui abordada de uma forma diferenciada, é constantemente utilizada dentro da sétima Arte para provocar este tipo de situação, levando suas personagens ao limite de suas relações e instintos por estarem juntamente isoladas naquele ambiente. Se temos situações deste tipo constantemente utilizadas em suspenses de isolamento, por exemplo, Álbum de Família diferencia-se por unir pessoas que já se conheciam e eram aparentemente bastante próximas previamente àquela situação - e aí reside o grande ponto do filme. As expectativas do espectador fazem-no pensar que, por serem familiares, todos os envolvidos ali poderiam superar uma situação controversa facilmente, pois o espaço para as confidências entre eles seria necessário. Mas a proposta da obra acaba por ser, justamente, desconstruir esta expectativa e gerar os sentimentos contrários, uma vez que esta proximidade familiar prova-se praticamente inexistente. Como aponta, em determinado momento, uma das irmãs, Ivy (Julianne Nicholson, de Deixe a Luz Acesa), ela e seus parentes podem ser ligados apenas por um tipo de acidente genético. Isto resume muito bem os sentimentos existentes. 

Se, em nosso conhecimento, a família existe para conhecer nossos segredos e deixar de fazer julgamentos negativos, como alguém que não nos seja tão próximo provavelmente faria, para nos apoiar independentemente das situações adversas, observamos neste caso que este pode ser um valor muito equivocado. Dentro da família Weston, temos parentes possessivos com as atitudes dos outros, integralmente dispostos a julgá-los, mesmo conhecendo tão pouco uns dos outros - algo que mudaria após este dia. Suas relações estão presas por uma corda, prestes a se romper, e uma situação de verdades vindo à tona como esta pode desligar estes últimos resquícios de ligação. Durante a projeção do longa, lembrei-me imediatamente de outra obra também escrita por Tracy Letts, Killer Joe - Matador de Aluguel, que levava as relações de sua família e os instintos de cada um de seus integrantes ao extremo com a chegada de um conflito externo, provocando a revelação de segredos e destruição da confiança entre seus membros, assim como aqui ocorre - claro, não com a mesma crueza e intensidade, pois a proposta é completamente diferente.

O argumento, apesar de render reflexões interessantíssimas, na verdade não seria tão válido se não fosse pelo trabalho de seu elenco. Numa atmosfera quase teatral, com personagens sempre à beira da explosão, as performances dos atores não poderiam falhar, e felizmente cumprem com o que delas se espera. Cada embate entre a personagem de Meryl Streep - excelente, especialmente nos surtos de sua personagem, curiosamente marcados pelos momentos em que esta surge sem sua peruca - e sua filha, Barbara (Julia Roberts, de Larry Crowne - O Amor Está de Volta, igualmente excelente), elevam o nível da produção e exaltam as duas atrizes, cujas personagens, no fundo, revelam espelhar-se em sua possessividade com a família. O elenco surge extremamente confortável na alternância de uma linha tênue entre o cômico - mesmo em situações dramáticas, existem pitadas de humor negro pelo caos observado - e o extremo dramático, com destaques positivos ainda para o casal formado por Chris Cooper (de A Grande Virada) e Margo Martindale (de Secretariat - Uma História Impossível), inicialmente aparentando personagens de único cunho humorístico, e cuja relação evolui a uma sequência de ápice dramático. Se Ewan McGregor (de O Impossível), sempre competente, dá vida à um personagem sem grande influência na trama, destaca-se por apostar numa performance sutil e minimalista - suas ofensas, nos conflitos com Barbara, sempre são mais leves e ditas em tom mais baixo. A identificação entre os familiares surge através de suas personalidades semelhantes; Little Charles (Benedict Cumberbatch, de Além da Escuridão - Star Trek) e Ivy aparentam ser os únicos sem disposição para pré-julgarem seus familiares, por isso acabam se aproximando - e acabam tendo sua felicidade interrompida -, enquanto Jean (Abigail Breslin, de Zumbilândia) e Steve (Dermot Mulroney, de Jobs) são, em tese, os mais novos a conhecerem a convivência que presenciam, o que também os leva a uma inesperada aproximação.

Enquanto a direção de arte representa com perfeição o único ambiente de uma residência familiar, a fotografia investe acertadamente em cores mais frias para representar os sentimentos entre suas personagens, e ainda existe o elemento da direção de John Wells, que sem espaço para destacar-se visualmente - embora as grandes angulares sejam bem empregadas -, foca-se no comando de seu elenco e traz uma série de acertos. Se há um conflito ou outro mal resolvido - como o desfecho, que embora acerte ao não investir nas previsíveis reconciliações, traz uma revelação sem grande necessidade, ou a confusão provocada por Steve e a adolescente Jean, encerrado de forma apressada -, somos compensados pela fantástica sequência do jantar - ápice do longa -, essencial na representação da espessura da linha divisória entre os conflitos daquela família, durante um momento aparentando a mais pura descontração, e no diálogo seguinte variando ao máximo de tensão, até atingirem o limite de sua paciência e gerarem a briga que estampa um dos pôsteres da produção. Este momento, extremamente humano por mais caricato que possa aparentar, representa a síntese deste grande conflito responsável pela narrativa. Pode funcionar na representação do caos, da queda até mesmo de um momento tradicional como o jantar de família - e a queda desta, em si -, família esta que, em tese, deveria ser a última a nos abandonar - mas logo antes da solidão.

[Avaliação final: ***¹/2]


Até a próxima.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Os 20 Melhores Filmes de 2013

Tom Hanks, comemorando após a leitura desta lista.
Demorou um pouquinho além do previsto, mas ainda está valendo. Está na hora de falar dos melhores filmes dos últimos doze meses e perceber que este foi, afinal de contas, um bom ano para o Cinema. Claro, tivemos uma porção de filmes ruins, mas ao olhar para uma lista de melhores como esta, percebemos uma grande quantidade de produções que permearam nossas memórias ainda por um bom tempo, e isto já diz muito. Sem mais delongas, está na hora de relembrar quais foram os 20 Melhores Filmes de 2013, entre todos os lançados comercialmente no Brasil durante o ano, seja nos cinemas ou diretamente em vídeo, na ordem já conhecida. Olha só:

   
20. A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty, EUA, 2012. De Kathryn Bigelow)
19. Capitão Phillips (Captain Phillips, EUA, 2013. De Paul Greengrass)
18. O Mestre (The Master, EUA, 2012. De Paul Thomas Anderson)
17. O Segredo da Cabana (The Cabin in The Woods, EUA, 2012. De Drew Goddard)
   
16. Círculo de Fogo (Pacific Rim, EUA, 2013. De Alfonso Cuarón)
15. Ferrugem e Osso (De Rouille et d'os, França/Bélgica, 2012. De Jacques Audiard)
14. Oblivion (idem, EUA, 2013. De Joseph Kosinski)
13. Faroeste Caboclo (idem, Brasil, 2013. De René Sampaio)
   
12. O Som ao Redor (idem, Brasil, 2013. De Kléber Mendonça Filho)
11. A Viagem (Cloud Atlas, EUA/Alemanha/Hong Kong/Cingapura, 2012. De Andy Wachowski, Lana Wachowski, e Tom Tykwer)
10. Django Livre (Django Unchained, EUA, 2012. De Quentin Tarantino)
9. Além da Escuridão - Star Trek (Star Trek Into Darkness, EUA, 2013. De J.J.Abrams)
   
8. Dossiê Jango (idem, Brasil, 2013. De Paulo Henrique Fontenelle)
7. Dentro da Casa (Dans la Maison, França, 2012. De François Ozon)
6. Sete Psicopatas e um Shih Tzu (Seven Psychopats, Reino Unido, 2012. De Martin McDonagh)
5. Killer Joe - Matador de Aluguel (Killer Joe, EUA, 2011. De William Friedkin)
   
4. A Caça (Jagten, Dinamarca/Suécia, 2012. De Thomas Vinterberg)
3. Procurando Sugar Man (Searching for Sugar Man, Suécia/Reino Unido, 2012. De Malik Bendjelloul)
2. Amor (Amour, Áustria/França/Alemanha, 2012. De Michael Haneke)
1. Os Suspeitos (Prisoners, EUA, 2013. De Dennis Villeneuve)

Posso pressentir um misto de discórdia e empolgação surgindo entre os amantes do Cinema - ou não, o mais provável. Até a próxima.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Os 20 Piores Filmes de 2013

Esta lista tem o apoio de Michael Bay.
Enfim, chegou a hora. Depois de tantos filmes lançados e vistos durante 2013, chegamos ao momento de fazer uma retrospectiva do Cinema neste ano, começando com esta lista aqui, dos piores do ano, passando por nossa lista dos melhores - que será publicada amanhã - e, por fim, com o levantamento das produções vistas no ano e considerações sobre os últimos doze meses na sétima Arte. 

Este é, provavelmente, o momento mais divertido desta retrospectiva, onde nos lembramos daquelas obras das quais nos arrependemos de termos perdido tempo assistindo, das grandes bombas, ou mesmo daqueles filmes que nem são tão terríveis, mas tinham tudo para serem bem melhores do que seu resultado final. Sim, camaradas, são Os 20 Piores Filmes de 2013, na opinião do Cinema Voador, entre todos aqueles lançados comercialmente no Brasil em 2013, seja no cinema ou diretamente para vídeo, na ordem do menos pior até o mais sofrível entre estas duas dezenas. Olha só:

   
20. Bling Ring - A Gangue de Hollywood (The Bling Ring, EUA, 2013. De Sofia Coppola)
19. Segredos de Sangue (Stoker, EUA/Reino Unido, 2013. De Park Chan-Wook)
18. Thor - O Mundo Sombrio (Thor: The Dark World, EUA, 2013. De Alan Taylor)
17. O Casamento do Ano (The Big Wedding, EUA, 2013. De Justin Zackham)
   
16. Um Bom Partido (Playing for Keeps, EUA, 2012. De Gabriele Muccino)
15. O Homem Mais Procurado do Mundo (Seal Team Six: The Raid on Osama Bin Laden, EUA, 2012. De John Stockwell)
14. Conexão Perigosa (Paranoia, EUA, 2013. De Robert Luketic)
13. Temporada de Caça (Killing Season, Bélgica, 2013. De Mark Steven Johnson)
   
12. Riddick 3 (Riddick, EUA, 2013. De David Twohy)
11. Sem Dor, Sem Ganho (Pain&Gain, EUA, 2013. De Michael Bay)
10. Os Instrumentos Mortais: Cidade dos Ossos (The Mortal Instruments: City of Bones, EUA, 2013. De Harald Zwart)
9. Minha Mãe é uma Peça - O Filme (idem, Brasil, 2013. De André Pellenz)
   
8. Os Amantes Passageiros (Los Amantes Pasajeros, Espanha, 2013. De Pedro Almodóvar)
7. Meu Malvado Favorito 2 (Despicable Me 2, EUA, 2013. De Pierre Cofin e Chris Renaud)
6. Sharknado (idem, EUA, 2013. De Anthony C.Ferrante)
5. Dezesseis Luas (Beautiful Creatures, EUA, 2013. De Richard LaGravenese)
       
4. Os Três Patetas (The Three Stooges, EUA, 2012. De Bobby e Peter Farrelly)
3. O Concurso (idem, Brasil, 2013. De Pedro Vasconcelos)
2. Crô - O Filme (idem, Brasil, 2013. De Bruno Barreto)
1. Gente Grande 2 (Grown Ups 2, EUA, 2013. De Dennis Dugan)

Dedicatória: Está lista é especialmente dedicada aos amigos André Motta, que considera o novo Os Três Patetas a melhor comédia de todos os tempos, Júnior Faoro, que luta na justiça para poder casar-se oficialmente com um minion, tamanho seu amor por Meu Malvado Favorito 2, e Tullio Dias, apaixonado por Dwayne Johnson e seus músculos após ter visto a "obra-prima de Bay", Sem Dor, Sem Ganho. Abraços a vocês. 

A discórdia está - ou não - plantada. Até a próxima.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Vida Secreta de Walter Mitty, A

The Secret Life of Walter Mitty, EUA, 2013. Direção: Ben Stiller. Roteiro: Steve Conrad, com base no conto de James Thurber. Elenco: Ben Stiller, Kristen Wiig, Sean Penn, Shirley MacLaine, Adam Scott. Duração: 114 min. Lançamento no Brasil: 20 de dezembro de 2013, nos cinemas.

Em seus vários objetivos, a sétima Arte é palco para reflexão. Refletir seu tempo e gerar reflexão no espectador, seja ela sobre o que for. Ben Stiller, enquanto cineasta, tem este segundo objetivo como o grande fôlego para sua nova obra, A Vida Secreta de Walter Mitty.

Baseado num conto clássico de James Thurber e reimaginação de um longa de 1947, aqui, somos convidados a acompanhar a jornada de Walter Mitty (Ben Stiller, de Roubo nas Alturas), um homem cuja vida está um tanto frustrante. Trabalhando há 16 anos na sessão de negativos da revista Life, agora prestes a fechar para ganhar novas edições apenas online, ele não tem grandes motivações fora de seu emprego, não tem coragem de falar com a mulher por quem se interessa, Cheryl (Kristen Wiig, da série Saturday Night Live) e prefere manter-se calado quando é ofendido por alguém, além de passar boa parte de seu tempo sonhando enquanto deveria estar fazendo mais. Em mais um dia de serviço, o rapaz acaba descobrindo, em seu departamento, o sumiço do negativo que estampará a capa da última edição impressa da revista, enviada pelo renomado - e aparentemente nômade - fotógrafo Sean O'Connell (Sean Penn, de Caça aos Gangsteres), e que, caso este não seja encontrado, ocasionará sua demissão; mas sequer há conhecimento do paradeiro de Sean, para buscar a fotografia com ele, o que combate as esperanças. Mas especialmente graças à coragem finalmente tê-lo atingido e Walter agora estar desenvolvendo uma relação de amizade com Cheryl, ele sente-se motivado a fazer o que for preciso para encontrar o fotógrafo, indo atrás de pistas que o levam à Groenlândia, onde viverá sua primeira experiência realmente memorável.

Cada pequeno sonho nos motiva a seguir em frente por nossos objetivos, e espanta-me como alguém de sonhos tão grandiosos aja tão pouco, mas este homem imprevisivelmente previsível é Walter, satisfeito com a monotoneidade atingida por sua vida, cujoso sonhos são apenas ilusões. Mas se há algo mais que nos motiva a lutar pelo que desejamos, este algo é o amor. Acima de tudo, A Vida Secreta de Walter Mitty trata-se de uma história de amor. Não, não temos uma trama motivada a narrar a conquista romântica de seu protagonista, mas sim das novas motivações e esperanças provocadas por um romance, aflorador e refrescante para o coração daquele homem desmotivado e acomodado. Ás vezes, um choque de esperança faz-se necessário para que deixemos as ilusões um pouco de lado, assim dedicando-nos a agir, verdadeiramente.

Claro, a eficácia de suas mensagens positivas não livra a produção de determinados erros, concentrados especialmente no modo como a abordagem dos sonhos do personagem é feita. Durante o primeiro ato, temos um estabelecimento do exagero de Walter em sonhar, durante todos os momentos e situações, com isto esquecendo-se por muitas vezes da realidade, mas o roteiro insere um excesso de sequências para representar isto - algumas, como aquela em que ele briga com o chefe e a cidade torna-se um de vídeo game ou a brincadeira com Benjamin Button, por exemplo, extrapolam mesmo o surrealismo proposto -, além da direção de fotografia, assinada por Stuart Dryburgh (de Não Sei Como Ela Consegue), não preocupar-se em estabelecer uma mudança em seus tons para diferenciar a realidade dos sonhos, o que inicialmente poderá causar estranhamento no espectador. Este ato inicial, por conta disto, acaba tornando-se um pouco problemático, mas depois dá espaço à superação da película.

Existem filmes cuja abordagem reflexiva junto ao espectador reside em criar um clima pesado, para incomodá-lo, chocá-lo, e assim manter-se em sua mente para gerar as reflexões necessárias - Amor e Os Suspeitos são dois exemplos recentes. Outros, como A Vida Secreta de Walter Mitty, contam com um clima agradável, alto-astral, tornando-se aconchegante, de certa forma, para que o espectador envolva-se com suas mensagens e aplique-as às próprias experiências vividas. A missão foi cumprida. Está certo, em determinados momentos, a falta de sutileza no trabalho de Stiller como diretor por vezes exagera na expositividade em passar suas mensagens - o público não precisa ler escritos numa pista por onde o avião de Mitty passa para compreendê-las, por exemplo -, aproximando-se perigosamente do estilo de um livro de auto-ajuda que escancara-as para seus leitores. Ainda assim, o trabalho consegue fascinar, desde o minimalismo na interpretação que Stiller confere ao seu protagonista - comprovando seu amadurecimento como ator -, tornando o personagem ainda mais complexo e interessante; passando pelas determinadas inserções de surrealismo, que após o estranhamento inicial, tornam-se sempre interessantes e divertidas, e finalizando no deleite visual provocado pelas locações escolhidas pela produção, que encaixam-se perfeitamente na criação da abordagem reflexiva procurada pela película, crescendo ainda através das escolhas da fotografia, predominante e eficientemente utilizando cores frias.

Os méritos do longa ainda atinge sua dosagem perfeita entre o humor - sutil - e o drama - jamais excessivamente denso -, aplicando-se nesta jornada de conhecimento pessoal da melhor forma possível e diferindo-se do que poderia ser erroneamente previsto para uma obra assinada por Ben Stiller, comprovadamente mais maduro enquanto cineasta, por mais que ainda cometa certos erros. A moral da "importância de ser feliz", nos tempos atuais, está constantemente relacionada aos falhos argumentos burgueses, na busca por ignorar os problemas sociais que ocorrem à sua volta e muitas vezes em sua responsabilidade com a desculpa da felicidade ser a única coisa realmente importante. Mas A Vida Secreta de Walter Mitty, ainda que conte com certas concessões neste sentido - o personagem-título utiliza-se de seu poder aquisitivo para realizar sua jornada, por menos que isto seja mencionado -, também trata-se do desapego da necessidade de manter-se completamente centrado num trabalho que não o satisfaz e dos bens materiais para realizar esta viagem - repare como ele não leva roupas ou outros bens o local, ainda que fosse necessário -, onde localiza-se realmente a beleza do filme - ganhando ainda pontos por fugir do lugar-comum, onde provavelmente inspirações religiosas seriam atribuídas às novas atitudes do personagem. Motivado pelo amor, pela necessidade de agir e motivado por si próprio, como Sean O'Connell comprova para Walter. Em sua viagem, ele não explorou as belezas encontradas na Groenlândia, ou seja lá mais onde for, mas explorou a si mesmo, suas capacidades e seus ideais. E nos entregou uma experiência absolutamente agradável e bela.

A mensagem passada para o espectador será subjetiva, estando diretamente relacionada com experiências passadas e atuais vividas por cada um, para assim gerar as inspirações buscadas - comigo funcionou muito bem, por exemplo. Se um choque de esperança fora necessário para Walter Mitty agir e ir atrás de seus objetivos, muitas vezes uma obra artística como A Vida Secreta de Walter Mitty entrega o necessário para mexer com o coração do espectador e levá-lo a fazer o mesmo, ainda que em menores proporções. Sendo assim, a missão já estará cumprida.

[Avaliação Final: ***¹/2]


Até a próxima.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Última Viagem a Vegas

Last Vegas, EUA, 2013. Direção: Jon Turteltaub. Roteiro: Dan Fogelman, com base no próprio argumento. Elenco: Michael Douglas, Robert De Niro, Morgan Freeman, Kevin Kline, Mary Steenburgen, Jerry Ferrara, Romany Malco, Roger Bart. Duração: 105 min. Lançamento no Brasil: 06 de dezembro de 2013, nos cinemas.

A reunião entre os veteranos Michael Douglas (Wall Street - Poder e Cobiça), Morgan Freeman (Um Sonho de Liberdade), Kevin Kline (Um Peixe Chamado Wanda) e Robert De Niro (Os Bons Companheiros) gerava expectativas simplesmente por unir estes nomes, ainda mais por engrossar a lista de sucessos recentes estrelados por atores mais experientes e focado nas audiências também mais experientes, por assim dizer. A nostalgia provocada através destes fatores funciona como um trunfo adicional para produções assim, portanto Última Viagem a Vegas surpreende por não utilizar deste truque tanto quanto poderia.

Billy (Douglas), Archie (Freeman), Sam (Kline) e Paddy (De Niro) eram quatro grandes amigos na época de infância, mas como acontece em muitos casos, foram perdendo parte do contato com o tempo, falando atualmente apenas - e por telefone - quando algo de muito importante acontece com algum deles; foi o que aconteceu desta vez. Enquanto os outros estão vivendo de forma mais calma e simples nesta altura da vida, Billy continua mais na ativa, em melhores condições financeiras e está prestes a se casar com uma mulher que tem cerca de metade da sua idade, em Las Vegas, quando decide convidar dois dos velhos amigos, Archie e Sam, para ir à cerimônia. Os dois, sedentos por tirar mais proveito da vida, avisam ao amigo que não só irão, como organizarão sua despedida de solteiro da forma mais descontrolada e proveitosa possível, para voltarem aos velhos tempos. Mas para os "Quatro de Flatbush" estarem reunidos, ainda falta Paddy, que está hesitando em aceitar a viagem por seus problemas mal resolvidos com o futuro noivo, mas no final das contas, seus amigos acabam convencendo-o a ficar, e o conflito de gerações aliados à muita confusão já estão marcados para começar.

A premissa poderá te remeter a uma espécie de Se Beber, Não Case! com medalhões, mas a proposta do longa, dirigido por Jon Turteltaub (Aprendiz de Feiticeiro), diferencia-se bastante. Aqui, temos uma comédia familiar, sem tantas picardias sendo evidenciadas para o espectador nessa aventura em Las Vegas - apesar de haver, sim, algum momento mais adulto -, e que busca um maior nível de reflexão e profundidade do que a comédia da ressaca, partindo para isto justamente da questão da idade de seus personagens para isto. 

É interessante notar como o roteiro de Dan Fogelman (Amor a Toda Prova), apesar de bem simplista, procura abordar a questão de seus protagonistas serem mais velhos na época deste evento não apenas para realizar piadinhas a partir deste conflito de gerações e costumes como é evidenciado durante esta viagem a Las Vegas - apesar de também explorá-la para isto, claro -, mas também para elevar um pouco a profundidade de seus personagens, que, graças à ocasião, acabam sendo levados a refletir sobre suas próprias vidas, cuja fase avançada é endurecida à sua frente quando se reencontra um amigo de tempos passados e percebe-se como tudo mudou para cada um.

O que não significa que este mesmo roteiro tenha a maturidade necessária para trabalhar com o tema da melhor forma, ainda que ele aprimore a abordagem dramática conforme a trama se desenvolve até seu ato final. O problema é que, no início, as tentativas dramáticas de Última Viagem a Vegas soam artificiais - culpa não apenas do texto, mas também de sua execução -, com o conflito entre os personagens de Douglas e De Niro sendo mencionados durante todo o tempo, mas jamais explicado. Os dois se estranham e o ítalo-americano está sempre emburrado, mencionando que Billy é um "cretino" e "não tem tempo para o que realmente importa" repetidas vezes e até na frente de estranhos, sem qualquer razão, mas jamais aprofundando-se neste problema mal resolvido. O conflito soa imaturo e, como dito, artificial, mas não por muito tempo - ainda bem. A partir de quando o espectador recebe a devida explicação sobre este, fica mais fácil compreender os sentimentos dos personagens e se envolver com o drama. Nos momentos em que o foco dramático da produção concentra-se nas observações dos personagens, no entanto - próximos ao desfecho, especialmente -, é que esta alcança seu ápice dramático, ainda que a estrutura para sua construção tenha sido piegas - especialmente na trilha sonora -, é possível se envolver mais com estes conflitos - há até um quê de Conta Comigo -, na melancolia de notar como mesmo as maiores amizades se perdem com o tempo, mas paralelamente, nas alegrias de perceber que sua força pode ser maior até que a de uma paixão - justamente o que foi comprovado por Billy e Paddy, ainda na infância.

Os problemas enfrentados na construção dramática raramente são repetidos na face cômica da fita, que é surpreendentemente divertida e terá algumas de suas cenas figurando facilmente em listas dos momentos mais engraçados que o Cinema nos trouxe este ano. 

Não há muito em que inovar quando se trata das gags que podem ser exploradas a partir deste argumento - estas são predominantemente relacionadas à idade avançada dos protagonistas, com doenças e tudo mais, e às caóticas experiências vividas em Vegas, logo, não fogem do esperado -, e existe aquela básica repetição de algumas piadas que costuma ocorrer nas produções norte-americanas, mas o diretor é extremamente sábio em relação ao trabalho com seu elenco, deixando-os claramente à vontade para fazerem o que bem sabem, mas são especialmente os dois nomes mais abaixo no pôster que roubam a cena neste quesito: Morgan Freeman e, especialmente, Kevin Kline. Se os mais consagrados, por assim dizer, Michael Douglas e Robert De Niro, realizam trabalhos mais sérios conforme a linhagem de seus papéis pedem, são estes dois citados os responsáveis pelas cenas mais divertidas do longa. Extremamente confortáveis em seus personagens, os dois atores entregam-se ao ridículo e ao humor físico quando necessário, fazem piadinhas com os colegas e entregam uma excelente química. Provável nome menos conhecido entre os protagonistas, Kevin Kline rouba todas as cenas em que aparece, sendo de longe o maior destaque do elenco, seguido por Freeman. Ainda que seja responsável pela sub-trama dramática, Paddy surge inicialmente como o personagem menos interessante da película, e De Niro não tem muito a fazer além de resmungar - papel do resmungão, no qual o ator se especializou em fazer nas comédias dos últimos anos -, mas também melhora com o desenvolvimento e consegue até roubar a cena quando brinca com seu estereótipo antigo de mafioso; esta é uma produção bem mais digna do que a maioria das recentes nas quais se propôs a participar. Michael Douglas também não tem muito a fazer, mas funciona bem no papel do playboy que se recusa a crescer. O filme certamente será capaz de provocar boas gargalhadas na platéia de sua sessão, especialmente durante a primeira metade.

A direção de Arte, provavelmente pelo orçamento relativamente limitado da produção, dificilmente tem um trabalho maior na reprodução dos clássicos cenários de Las Vegas, uma vez que há poucas sequências retratando ambientes maiores, como os cassinos consagrados. A trilha sonora, como breve e anteriormente mencionado, realiza um trabalho bem piegas nos momentos dedicados ao drama, mas consegue ao menos evitar a utilização de certas canções para evocar o sentimento nostálgico no espectador de forma barata. Voltando a este mesmo quesito dramático, surge mais um dos méritos do roteiro, pois este não esfrega na cara do espectador as lições de moral que claramente tenta passar, o que torna-o mais inteligente, ainda que continue bem simples - há até um furo ou outro, como o momento no qual Paddy se contradiz sobre sua vizinha, que antes era uma garota boa para uma sopa ruim, e depois se torna o contrário, mas em nenhum momento isto prejudica a boa experiência.

Talvez, esta simplicidade seja o grande triunfo de Última Viagem a Vegas sobre a maioria de seus concorrentes de gênero durante este ano: sem grandes pretensões alçadas, o longa consegue divertir conforme o esperado e ainda entregar um pouco a mais através de seus dramas. 

[Avaliação final: ***¹/2]

Até a próxima.