Uma das grandes
virtudes percebidas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas na composição
de sua lista de indicados ao Oscar
2018 foi conseguir abarcar obras que representam o discurso social desejado
pela instituição e, paralelamente, tenham colocado a realização cinematográfica
como prioridade - evitando “berrar causas”. Casos de “Três
Anúncios Para um Crime”, de Martin McDonagh, e “A Forma da Água”, de
Guillermo Del Toro, por exemplo. Sob o comando de Ruben Östlund, que há três
anos nos entregou o ótimo “Força Maior”, The
Square – A Arte da Discórdia decide seguir outro caminho, o da distribuição
efusiva e provocativa de suas teses, defesas e críticas - muitas vezes, de
forma prioritária em relação à narrativa desenvolvida.
O primeiro diálogo da
trama, quando Christian (Claes Bang), curador-chefe do contemporâneo X-Royal Museum, é questionado pela
jornalista Anne (Elisabeth Moss) sobre o conteúdo de um debate que opõe a exposição
e a não-exposição e, a seguir, a responde com mais dúvidas, incapazes de
concluir qualquer coisa que não seja a mera perpetuação do vazio, nos encaminha
à perfeita compreensão do que esta obra sueca pretende comunicar. Em poucas
palavras, The Square localiza em
Christian a metáfora da indefinição – e certo ridículo – que paira sobre os
atuais responsáveis por ditar os caminhos da arte: embora seja, provavelmente,
o mais indicado a interpretar as distinções entre o que pode ou não ser exposto
enquanto manifestação artística no presente, o especialista é tomado pela
incapacidade de fazê-lo e, visivelmente, quase cai em
constrangimento.
Uma discussão que
atinge, nos tempos mais recentes, os ambientes da produção artística tradicional
e, especialmente, acadêmico – neste caso, ainda no campo da comunicação e
humanidades -, é a incapacidade de agir efetivamente além da própria bolha e afetar, com relevância, um
público mais amplo, como a arte um dia foi – ou acreditou ser – capaz. A
impossibilidade de comunicar-se além do tom acadêmico que Christian manifesta na
entrevista é uma mera “cereja no bolo” da problemática que é central para a
atividade do comandante do X-Royal.
Acostumado a discursar,
divulgar e apresentar exposições sempre para um mesmo público, formado por
seletos membros de uma elite entusiasta da arte contemporânea, brancos e
normalmente em idade avançada, o curador reclama da dificuldade de angariar
fundos para manter as atividades do museu. As reuniões entre a equipe do museu
buscam alternativas de atração de público para o local, mas falham por
circularem sempre as mesmas ideias, dos membros de uma mesma classe, com formação
e referências semelhantes; a falta de vozes e visões dissonantes. As instalações
e obras, que buscam o levantamento de questões impactantes e atuais, fracassam
pela incapacidade de conexão com as experiências humanas reais. A
cisão entre o “bom conteúdo” e o grande público evidencia o atraso da produção intelectual
em tomar para si um básico ensinamento da comunicação: quando a mensagem não
atinge corretamente o receptor, é o emissor quem deve responsabilizar-se por
repensá-la e corrigi-la.
A bolha ocupada pela
elite intelectual, que cada vez mais a condena ao marasmo da irrelevância na
sociedade da qual é parte, é também sedimentada pela hipocrisia marcante em sua
postura. Os mesmos nobres filantropos, investidores das artes e ações sociais,
são os que ignoram diariamente aqueles que pedem por ajuda nas ruas – e The Square, quando atinge o ápice da exposição
na pretensão de sua crítica, faz questão de evidenciar isto. O texto do próprio
Östlund direciona por diversas vezes seu olhar à ignorância cotidiana dos mais
desfavorecidos, criando situações e sequências completamente deslocadas da
trama para fazê-lo, incapazes de sensibilizar o público além de mais um pretenso
e vazio discurso.
Aliás, são tais
mensagens que condenam o longa-metragem e o distanciam da grandeza que acredita
ter. Ruben Östlund, que ironicamente lamentou publicamente a falta de
reconhecimento de uma tradicional instituição, a Academia, ao seu filme
anterior (entenda),
aqui deseja provocar toda a estrutura de tais instituições em sua incapacidade
de posicionar-se no mundo que as cerca. Mas, para isso, o realizador abre mão
de uma construção dramática melhor organizada e que nos permita a conexão com
suas personagens – uma habilidade que, justamente em “Força Maior”, provou ter.
Na pretensão de atingir as mais diversas camadas do universo intelectual
contemporâneo, a produção parece dividir-se em esquetes que ironizam, uma a uma, diferentes aspectos do mesmo, sem
conseguir aprofundar-se nas situações que cria – sequências como a do shopping,
quando Christian precisa da ajuda de um pedinte, são sucintamente abandonadas
por, em tese, terem “comunicado o necessário”.
The Square – A Arte da Discórdia falha ao adorar as próprias
teses, e pode acabar, tal qual os especialistas, curadores e acadêmicos da arte contemporânea, condenado
a discursar para si. Quando utiliza de sua lente, ao aproximá-la ou afastá-la
(caso da imagem que ilustra o texto) das personagens, mergulhando-as num incorrigível
sufoco e indefinição que - como faz com a arte - as envolve, o projeto oferece
a esperança do encontro de um caminho mais adequado, capaz de conter, ao
ridicularizar ou expor os dilemas de seu protagonista, no centro da contradição
de ser uma figura de poder intelectual e, paralelamente, incapaz de sobreviver
a quaisquer posições que o confrontem – mesmo que essas sejam de Anne (inferior
ao seu olhar) ou de uma mera criança -, justamente a contestação a um percurso
que, confiante e cheio de si quanto à realidade que constrói, parece fadado ao
fracasso.
The Square, Suécia/Alemanha/França/Dinamarca, 2017. De Ruben Östlund. ★★½
Nenhum comentário:
Postar um comentário