Utopia e nostalgia. Muitas
vezes sem que sequer possamos perceber, preenchemos a maior parte do nosso
tempo em vida transitando entre estas duas narrativas. Ou, ao menos, tentando.
A utopia nos molda, oxigena
e move enquanto somos capazes de preservar nosso idealismo, alimentar mesmo os
sonhos mais distantes e perceber, no outro, a mesma paixão como força motriz.
Hoje, parece impossível – ou, no máximo, infantil. Nem sempre foi assim. A
ruptura com as utopias é global e historicamente identificada com a década de
1980 que, entre outros ideais - de distintas dimensões -, sepultou a esperança
socialista. As referências que sempre haviam nos impulsionado enquanto
sociedade implodiam em nossa frente e, fatalmente, haveria quem não pudesse
suportar o impacto.
Houve quem tenha
vivido cada passo da esperançosa cartilha promovida pela União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas. Desde o sonho espacial, nos primeiros passos, até a
adesão ao partido e às causas práticas em maturidade. Era difícil imaginar que
Alex (Daniel Brühl) não fosse acometido pelo desamparo. Ele, que cresceu
almejando tornar-se um cosmonauta,
jamais perdera o tratar respeitoso com os camaradas
e reencontrava a pureza da felicidade ao identificar sobreviventes
exemplares dos pepinos em conserva e do café comercializados em sua extinta Alemanha Oriental, dificilmente
poderia superar uma transição desenfreada e dominante como fora aquela. Cada
pequeno detalhe no cotidiano dos alemães orientais havia se tornado rapidamente
obsoleto; dos hábitos de consumo e costumes mais singelos à estrutura econômica
da família, nada poderia manter-se como por quatro décadas fora – tais quais as
configurações geopolítica e cultural do mundo, a queda do Muro de Berlim havia
transformado a realidade de todo e qualquer alemão com rapidez impressionante.
Talvez, quase tão
difícil quanto para Christiane (Kathrin Sass), uma professora idealista. Após a
partida do marido, ela havia “se casado
com o compromisso socialista”, de acordo com o relato do herdeiro. Oito
meses de coma afastaram-na da derrocada soviética, da queda do muro e,
portanto, da “ocidentalização” da realidade que a cercara. O real se encaminharia
em demasia – fatal, provavelmente. A narrativa que transbordara para o factual
não mais poderia acolhê-la. Nos bem-humorados falsos noticiários, na
substituição minuciosa de cada embalagem de alimento e nas reuniões dos velhos socialistas, somente a pequena
Alemanha Oriental alocada no quarto de Christiane mantê-la-ia em vida. O que a
externava a sufocaria. Mas o singelo e nostálgico ambiente não apenas a acolhia
– era lá que Alex poderia ressignificar cada
passo da realidade, adaptando-a aos seus vencidos sonhos. Nas frustrações dos
órfãos do regime, nos raros itens remanescentes de um passado rapidamente
dissolvido e na “despedida digna” aos grandes ícones do orgulho socialista, Alex
encontra, ao estender a existência de sua mãe, a acolhedora possibilidade de
sustentar a narrativa que gostaria de ocupar. De encenar um mundo onde sua
utopia pôde viver um pouco mais. De, afinal, fazer respirar seu sonho nostálgico de futuro – e, sob sua
redoma, poder respirar também.
"The country my mother left behind was a country she believed in; a country we kept alive till her last breath; a country that never existed in that form; a country that, in my memory, I will always associate with my mother."
Good Bye Lenin!, Alemanha,
2003. De Wolfgang Becker. ★★★★
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