segunda-feira, 9 de abril de 2018

Adeus, Lênin!


Utopia e nostalgia. Muitas vezes sem que sequer possamos perceber, preenchemos a maior parte do nosso tempo em vida transitando entre estas duas narrativas. Ou, ao menos, tentando.

A utopia nos molda, oxigena e move enquanto somos capazes de preservar nosso idealismo, alimentar mesmo os sonhos mais distantes e perceber, no outro, a mesma paixão como força motriz. Hoje, parece impossível – ou, no máximo, infantil. Nem sempre foi assim. A ruptura com as utopias é global e historicamente identificada com a década de 1980 que, entre outros ideais - de distintas dimensões -, sepultou a esperança socialista. As referências que sempre haviam nos impulsionado enquanto sociedade implodiam em nossa frente e, fatalmente, haveria quem não pudesse suportar o impacto.

Houve quem tenha vivido cada passo da esperançosa cartilha promovida pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Desde o sonho espacial, nos primeiros passos, até a adesão ao partido e às causas práticas em maturidade. Era difícil imaginar que Alex (Daniel Brühl) não fosse acometido pelo desamparo. Ele, que cresceu almejando tornar-se um cosmonauta, jamais perdera o tratar respeitoso com os camaradas e reencontrava a pureza da felicidade ao identificar sobreviventes exemplares dos pepinos em conserva e do café comercializados em sua extinta Alemanha Oriental, dificilmente poderia superar uma transição desenfreada e dominante como fora aquela. Cada pequeno detalhe no cotidiano dos alemães orientais havia se tornado rapidamente obsoleto; dos hábitos de consumo e costumes mais singelos à estrutura econômica da família, nada poderia manter-se como por quatro décadas fora – tais quais as configurações geopolítica e cultural do mundo, a queda do Muro de Berlim havia transformado a realidade de todo e qualquer alemão com rapidez impressionante.

Talvez, quase tão difícil quanto para Christiane (Kathrin Sass), uma professora idealista. Após a partida do marido, ela havia “se casado com o compromisso socialista”, de acordo com o relato do herdeiro. Oito meses de coma afastaram-na da derrocada soviética, da queda do muro e, portanto, da “ocidentalização” da realidade que a cercara. O real se encaminharia em demasia – fatal, provavelmente. A narrativa que transbordara para o factual não mais poderia acolhê-la. Nos bem-humorados falsos noticiários, na substituição minuciosa de cada embalagem de alimento e nas reuniões dos velhos socialistas, somente a pequena Alemanha Oriental alocada no quarto de Christiane mantê-la-ia em vida. O que a externava a sufocaria. Mas o singelo e nostálgico ambiente não apenas a acolhia – era lá que Alex poderia ressignificar cada passo da realidade, adaptando-a aos seus vencidos sonhos. Nas frustrações dos órfãos do regime, nos raros itens remanescentes de um passado rapidamente dissolvido e na “despedida digna” aos grandes ícones do orgulho socialista, Alex encontra, ao estender a existência de sua mãe, a acolhedora possibilidade de sustentar a narrativa que gostaria de ocupar. De encenar um mundo onde sua utopia pôde viver um pouco mais. De, afinal, fazer respirar seu sonho nostálgico de futuro – e, sob sua redoma, poder respirar também.
"The country my mother left behind was a country she believed in; a country we kept alive till her last breath; a country that never existed in that form; a country that, in my memory, I will always associate with my mother."

Good Bye Lenin!, Alemanha, 2003. De Wolfgang Becker. ★★

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