“Cos you joined the gang, man.And i don’t care if you never did shit or never saw shit or never heard shit. You joined the gang. You’re culpable.”
- Mildred Hayes
Há uma carga de
intolerância e julgamento taxativo que caracteriza as relações humanas do nosso
tempo. Tornou-se aceitável e, pasmem, comum reduzir seres humanos a definições
binárias, excludentes e pouco significativas. Julgá-los por inteiro a partir de
apenas um fator.
Consideramos sujo e
intragável o caráter do sujeito que, numa oportunidade, manifesta-se de forma
preconceituosa. Paralelamente, endeusamos o cidadão que ostenta um discurso
representativo e engrandecedor de nossos pontos de vista e princípios morais –
independentemente do quão desrespeitoso este possa, eventualmente, ser no trato
com aqueles que o cercam.
Falha nossa. E grave.
Trata-se de uma estupidez insensata e insensível definir um indivíduo a partir
de um estereótipo, raso e rasteiro. Seres humanos refletem cada faceta da
realidade que os engloba e afeta, em suas incontáveis contradições. São
compostos por dilemas, conflitos, agruras, percepções, equívocos – e cada um
destes é, ao mesmo tempo, causa e efeito do acúmulo de experiências que
resultará em nossa existência.
Na ficção, as (boas)
personagens deverão ser a representação de seres humanos. Personagens
representam pessoas, não bandeiras serventes a defesas morais e/ou ideológicas.
Representam, portanto, figuras dotadas de complexidade. Palpáveis e
verossímeis, não devem ser decupadas com uma só dimensão. Não são os arquétipos
que tornam memorável nossa experiência com a arte.
Desconfiamos, tal
qual a protagonista, do xerife Willoughby (Woody Harrelson), que aparenta ser o
espelho de toda a negligência e incompetência da instituição à qual serve. Ele
se torna, todavia, um personagem substancialmente mais valioso quando podemos
conhecer aquilo que o aflige – um câncer terminal -, motiva – a família – e limita
– um tempo cada vez mais finito.
Odiamos,
intensamente, o policial Dixon (Sam Rockwell), que não precisa de mais de uma
cena – a mais visceral da produção, diga-se – para nos mostrar aonde uma figura
na posição de autoridade, quando movida exclusivamente pelo ódio e pela
inconsequência, pode chegar. Sem intenções necessariamente redentoras, contudo,
é mais saboroso que possamos encontrar, numa pasta de sua jornada, alguma esperança própria de dignidade – quem sabe,
em nome do legado do único que este foi capaz de admirar.
Apoiamos,
naturalmente, a protagonista, Mildred (Frances McDormand), cuja angústia pela
brutal perda de sua filha sequer podemos imaginar. Abraçamos fielmente seu
tempestuoso e obstinado trajeto, rumo ao alcance das punições que poderiam, ao
menos, proporcioná-la um sopro de alívio, em cada uma de suas etapas. O trabalho
de sua intérprete, entretanto, jamais seria tão forte sem uma personagem que a
oferecesse tanto: ainda que seja, incorrigivelmente, uma heroína, Mildred exala
uma amargura que, talvez imperceptivelmente, a leva a agir com excessiva dureza
e incompreensão mesmo sobre aqueles que a acolhem afetivamente – a exemplo de
seu filho, Robbie (Lucas Hedges). Trata-se de uma figura que, ao mesmo tempo,
nos aproxima e repele; desperta admiração e, em seguida, coloca-a à prova.
Trata-se de uma pessoa, como muitas das que conhecemos.
É divertido admirar e
torcer por uma personagem, tanto quanto abominar sua antagonista. É muito mais
proveitoso, no entanto, que as conheçamos muito além da epiderme; que elas
atritem e confrontem nossas próprias impressões e convicções diante da
narrativa apresentada. Tais quais as pessoas que compõem nossa experiência
vital. E, em suas imperfeições, Três
Anúncios Para um Crime é uma obra que, afinal, retrata seres humanos.
Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, EUA/Reino Unido, 2017. De Martin McDonagh. ★★★½
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