terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Me Chame Pelo Seu Nome


No primeiro momento em que Elio (Timothée Chalamet) tenta abrir-se, ainda mergulhado em receio, para Oliver (Armie Hammer), os dois são opostos espacialmente por um monumento e evidentemente distanciados pela composição do quadro. O nascimento da intimidade entre aqueles dois homens é marcado por uma resistência que angustia e requer um afago, a priori, inconcebível. A verbalização de um sentimento recíproco, mas, na percepção de ambos, inimaginavelmente correspondente. Incogitável.

 - Why are you telling me all this?
- Because I want you to know.
Because there is no one else I can say this to but you.

Numa pequena e paradisíaca região do norte da Itália, Elio é membro de uma família academicamente endossada e cordial. Criado por pais aparentemente compreensivos e atenciosos – Mr.Perlman (Michael Stuhlbarg) e Annella Perlman (Amira Casar) -, o jovem experimenta seus verões entre múltiplos idiomas, leituras, diálogos e aprofundamento musical. Letrado e intelectualmente autoconfiante, parece carecer de um afloro sentimental. Elio vê sua realidade, até então restrita aos próprios interesses e afastada do externo, diretamente alterada pela chegada de Oliver, um acadêmico em formação calorosamente acolhido pelos Perlman diferente de tudo aquilo com que ele já pôde conviver. Há contextos propícios em nossa existência, cujas chegadas e partidas, que em distinto momento pouco ou nada significariam, são capazes de representar colunas sustentadoras da arquitetura daquilo que seremos dali em diante. Instantes impulsores.


O amor oxigena a existência humana. É preciso que a paixão por um ofício, projeto ou sonho - seja em termos individuais ou coletivos - nos mova em direção à realização e permanente abastecimento vital; mas só o amor sentido por outro ser passional e imperfeito como somos é capaz de nos dar a combustão do experimentar, em seus prazeres, amarguras e aprendizado, a verdadeira essência deste sentimento. Só sua primeira visita é capaz de nos recriar, direcionar e aflorar o cerne daquilo que somos - e não surpreende, portanto, que na primeira vez que explorem a cidade juntos, Elio use vermelho e Oliver, branco: é o primeiro quem provará o sabor inédito do exercício, carnal e entregue, da capacidade de amar. Ele é quem será transformado, de maneira essencial a quem quer que venha a ser, por tal experiência. Não importa o quanto ela tenha significado, de fato, para aquele que o jovem decidiu - ou foi decidido a - amar.

Ao preferir não vitimizar Elio, instrumentalizá-lo para um discurso qualquer, Me Chame Seu Nome opta, acertadamente, por compreendê-lo, assimilar em profundidade seu autoconhecimento e entrega à própria descoberta. Cada passo de sua entrega sentimental é acompanhado com naturalidade: a negação inicial, propositalmente verbalizada - "Non vi sembra ineducato come dice “Later...”? arrogante?Mi sembra che facciamo di tutto per farlo stare a suo agio da noi." -, a inevitável admiração, o tomar da atração - quando entrega-se ao fetiche pela bermuda de Oliver -, a percepção da correspondência, a intensidade de viver a paixão e, enfim, o devastador desapontamento. “Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo.”, afirmara o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. Embora manifestasse curiosidade e carregasse consigo o desejo, Elio jamais seria capaz de traduzir, em linguagem, o que era o amor - até poder senti-lo, vivenciá-lo, tocá-lo, com seu Oliver.

Oh, oh whoa whoa is me
The first time that you touched me
Oh, will wonders ever cease?
Blessed be the mystery of love

- Mystery of Love, Sufjan Stevens

Intelectualizado em suas referências, o jovem pôde explorar o mundo na história registrada, mas não escreveu sua própria. Viveu, desde sempre, numa cidade tão bela quanto afastada. Teve interações restritas e conexões limitadas. Elio dialoga com alguns dos que o cercam em italiano, outros em francês e, enfim, alguns mais em inglês. Sintomático: os indivíduos que já conheceu, por mais compreensivos que sejam, jamais o permitiram sentir-se livre para revelar-se, emocionalmente, em sua legitimidade. Entre aqueles, sente-se desterritorializado, na necessidade de readaptar-se constantemente. Transita por distintas facetas de uma única personalidade. É propícia, assim, a chegada do "forasteiro"; a partir desta, Elio caminha pelas mesmas ruas, daquela mesma cidade, sob a lente de uma câmera que agora amplia os planos, abre as locações e dá tons ensolarados ao seu universo, elucidando a liberdade que, então, contamina sua jornada.

Quando enfim correspondem-se e, simbolicamente, afagam-se num dos locais mais íntimos para o protagonista, onde há contato com a natureza e distância do que ouse interferir, Oliver e Elio são observados pela lente de Luca Guadagnino com impressionante veracidade. Os primeiros toques trocados manifestam visceralmente a consciência do jovem, tomado pela intenção de sexualizar-se como forma de externar ao amado o desejo que o alimenta. A beleza alcançada pelas sequências românticas decorre da naturalidade com a qual são filmadas, sempre expressando-as enquanto uma consolidação desejosa de seu protagonista, que as vivencia doce e intensamente, significando-as de um modo a cada vez que estas apropriem-se de sua memória, sem jamais idealizá-las. Afinal, não haveria necessidade. Elio, quase disfarçadamente, sobrepõe o pé sobre o de seu parceiro. "What are you doing?", este reage. "Nothing", aquele responde. Basta para compreendê-lo.

Como basta o suspiro, desapontado e rodeado por lágrimas, que sucede a provável última notícia que o protagonista viria a receber daquele com quem viveu um amor de verão - para muitos mais. E nenhum diálogo seria capaz de substituí-lo com tamanha efetividade. Resta-nos torcer para que Elio, dia após dia, possa voltar a sentir. Ainda que de outras formas, em outra intensidade. A oxigenar-se. 

Que ele possa seguir aquele conselho que, mergulhado de inestimável compreensão, todos nós desejaríamos poder ouvir em semelhante situação. Afinal, eu não saberia encerrar de outra forma - ou aconselhar, fosse a mim mesmo.  Deixe-nos, para qualquer hora dessas, Mr.Perlman.

"When you least expect it, 
Nature has cunning ways of finding our weakest spot. 
Just remember: I am here. 
Right now you may not want to
feel anything. Perhaps you never
wished to feel anything. 
And perhaps it’s not to me that you’ll
want to speak about these things.
But feel something you obviously did.

Look - you had a beautiful friendship.
Maybe more than a friendship.
And I envy you.
In my place, most parents would hope
the whole thing goes away,
to pray that their sons land on their feet.
But I am not such a parent.
In your place, if there is pain, nurse it.
And if there is a flame, don’t
snuff it out. Don’t be brutal with it.
We rip out so much of ourselves
to be cured of things faster, that
we go bankrupt by the age of thirty
and have less to offer each time we
start with someone new.

But to make yourself  feel nothing
so as not to feel anything - what a waste!"


Call Me By Your Name, Itália/França/Brasil/EUA, 2017. De Luca Guadagnino. ★★

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