terça-feira, 20 de agosto de 2013

Voo ao Passado: Quem vê Cara Não vê Coração

Quem vê Cara Não vê Coração
Uncle Buck, EUA, 1989. Direção e roteiro: John Hughes. Elenco: John Candy, Macaulay Calkin, Jean Louisa Kelly. Duração: 100 min.

John Hughes trouxe alguns marcos para o Cinema, que ajudaram a definir sua época artística e humanamente, e que merece muito mais do que apenas este parágrafo para abordar sua obra como um todo. Por enquanto, assisti e escrevo sobre este filme aqui que não é um de seus marcos, mas certamente merece uma observação simplesmente por unir o cineasta a outro marco dos anos 80: John Candy. Eles já haviam trabalhado juntos dois anos antes, em Antes Só do que Mal Acompanhado, este sim um marco, mas lá o grande destaque não era Candy. Aqui sim.

O diretor sempre gostou de focar suas abordagens nas personagens jovens, seus pensamentos e visão da sociedade em que vivem, por isso, apesar de poder fazer seu primeiro enquadramento deste longa em qualquer outra personagem mais importante ou com mais empatia entre o público do filme - como os pequenos irmãos, o tio ou os pais -, prefere focá-lo em Tia Russell (Jean Louisa Kelly), algo que entenderemos no fim do filme. Os pais de Tia são ausentes, como logo vamos percebendo, e é ela quem cuida dos irmãos na maior parte do filme, mantendo a mediação entre as crianças para discutir com os pais sobre o que acontecia, mas claro que eles optam por ignorar a adolescente, apesar de amarem os filhos. Quando seu avô materno sofre um infarto e os pais devem viajar por uns dias para visitá-lo no hospital, a responsabilidade de cuidar da casa e da família vai ficar com a pessoa menos recomendada para a tarefa: o tio Buck (John Candy). A partir daí, ele ganha o filme, mas no fundo mesmo, quem move a história ainda é a garota.

A performance de Candy é excelente, cômica com uma gotinha dramática no terceiro ato, e o personagem deixa tudo nos trilhos para isso. Apesar de seguir o estereótipo que tantos trabalhos do ator seguiram, como o gordinho que tem um coração até excessivamente bondoso para a sociedade em que vive, por isso acaba incomodando muita gente - até parece um spinoff do seu personagem em Antes Só do que Mal Acompanhado, quando incomoda o Steve Martin. Aqui, apesar de poder simplesmente ficar cuidando da casa e dos filhos sem muita preocupação - como aparenta no início - o tio Buck vai mais a fundo e procura saber do que as crianças gostam, seus problemas e tenta corrigir algumas coisas que acontecem ali justamente por essa ausência dos pais, assim sabemos que depois desses dias, nem ele nem as crianças serão mais os mesmos. Mas especialmente Tia Russell. No início, a jovem faz de tudo para atrapalhar a estadia de Buck em sua casa, e ele retruca no mesmo nível, até que vão se conhecendo melhor e um conhece os problemas do outro, tecendo uma bonita relação de amizade quase paternal, com isso, ela sabe que também pode mudar algumas coisas para que sua relação com os pais seja melhor. A missão do tio Buck foi cumprida.

Claro que o roteiro de Hughes não fica no estereótipo para o protagonista e foge daquela áurea de um cara fracassado que poderia cercar o personagem do John Candy por sua personalidade, mas o tio Buck é diferente e tem toda a confiança necessária para tornar-se uma figura até imponente, como o diretor comprova com excelência quando utiliza apenas sombras ou seu contorno em meio a escuridão para retratar o personagem, utilizando esta técnica para atribuir visualmente a imponência dele, o melhor exemplo disso é quando Buck entra no quarto a procura do namorado de Tia, em que o diretor utiliza em sua câmera quase um contra-plongée para engrandecê-lo na tela. É bem verdade que todo mundo queria um tio como ele, sem sequer o personagem precisar ser politicamente correto, como num filme atual com este alvo certamente precisaria.

Quem vê Cara Não vê Coração traz esse espaço para o conhecimento pessoal, mas sem dúvida sua cena mais genial é aquela em que tio Buck começa a passar o aspirador assim que um repórter na televisão diz "o herói Ronald Reagan", encobrindo o som do aparelho. É uma crítica política sutil e inteligente, que só precisa de alguns segundos para funcionar. Mas o filme é inteiramente divertido e com toques de emoção, com um terceiro ato que o engrandece e nos faz perceber o quanto suas personagens ganharam naquela jornada, e o quanto a sétima Arte perdeu com as mortes de Candy e Hughes.

[Avaliação final: ****¹/2]

Até a próxima.

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