Jackass Presents: Bad Grandpa, EUA, 2013. Direção: Jeff Tremaine. Roteiro: Johnny Knoxville e Jeff Tremaine, com base no argumento de Spike Jonze, Fax Bahr, Adam Small e dos próprios. Elenco: Johnny Knoxville, Jackson Nicoll, Greg Harris, Spike Jonze, Georgina Cates. Duração: 92 min. Lançamento no Brasil: 29 de novembro de 2013, nos cinemas.
Se humor é algo extremamente subjetivo, poderia dizer que nunca digeri muito bem o que o Jackass realizava. O excesso de grosserias e a falta de sutileza e conteúdo nunca foram capazes de gerar risos legítimos em mim; o que torna este Vovô Sem Vergonha ainda mais interessante.
Com a presença do grupo cômico no comando da produção, o longa destoa-se da maioria dos produtos realizados por este, aqui narrando a jornada do velhinho Irving Zisman (Johnny Knoxville), recém-viúvo e agora informado de que sua filha voltará à prisão por uso de drogas, deixando para o patriarca a missão de levar seu filho, Billy (Jackson Nicoll), até o seu pai ausente e legítimo, que só aceitou cuidar da criança para receber o auxílio do governo - ele não esconde isto nem do próprio herdeiro -, mas para isto, terá de praticamente cruzar o pais, assim deixando o garoto em segurança e diretamente nas mãos do pai. Mas antes, creio ser necessário dizer que Irving provavelmente é a pessoa menos recomendada para acompanhar a criança neste caminho, sendo um exemplo de irresponsabilidade e capaz de gerar caos até nas situações mais corriqueiras de sua rotina. Você já pode esperar o que acontecerá nesta viagem.
Como dito no início, o humor é subjetivo e cada obra dedicada a ele encontra seu público no gosto que busca, através de sua proposta. No caso desta obra, não há muito espaço para o humor mais reflexivo ou refinado, o que consequentemente o impede de tornar-se uma experiência mais memorável, mas ao mesmo tempo, não significa seu enfraquecimento, afinal de contas, é necessário compreender que a proposta aqui é outra, a de gerar comédia da forma mais simples possível - através de situações constrangedoras -, sendo a partir disto bem sucedida ou não. É necessário compreender isto antes mesmo do início da sessão. Neste caso, temos um exemplo de sucesso - mas seguindo a proposta.
Comparando-se com as outras produções do Jackass, aliás, Vovô Sem Vergonha é até bastante refinado. Sai o ferimento de pessoas, animais e escatologias exageradas habituais do grupo, e entram apenas uma porção de situações constrangedoras que envolvem o velho e o garoto, como o roubo de um supermercado ou a tentativa de enviar a criança pelo correio, e especialmente focando-se na reação das outras pessoas ao que é provocado pela dupla, pois o longa trata-se de um experimento do chamado mockumentary - falso documentário, ao estilo Borat -, colocando os dois personagens em meio a pessoas reais, sem o conhecimento de que aquilo trata-se de um filme, o que pode gerar desde apenas olhares tortos até reais interferências para o andamento da estória narrada pela produção, o que torna-se responsável por boa parte da graça. Mas, ao compará-lo com os outros lançamentos do grupo e utilizar isto como elogio, não me refiro apenas ao humor mais leve, e sim à presença de uma trama muito mais elaborada aqui do que nos outros casos, onde há apenas uma série de esquetes com situações "cômicas", enquanto neste caso temos realmente o desenvolvimento de personagens e de um enredo que valha ser acompanhado integralmente. Chega de se ater a este tipo de comparação e vamos partir para a análise individual da fita, então.
Dentro da proposta de realização do falso documentário, o longa cai numa via de mão dupla, trazendo-o vantagens e desvantagens. Enquanto trabalhar com as situações incomuns em meio à realidade torna a proposta mais interessante e gera mais comicidade, também acaba levando o roteiro de Johnny Knoxville e Jeff Tremaine a cometer sérios erros por não esquecer de abordar mais profundamente as consequências. As situações são introduzidas e as primeiras reações influem, mas jamais vemos além disto, o que as deixa inacabadas - Irving rouba um supermercado e a dona do local começa a discutir com ele na calçada, mas jamais sabemos como a discussão terminou, pois o roteiro pula esta parte; e este é apenas um exemplo do que acontece mais vezes durante a projeção - e claramente influi para a continuidade do filme.
O texto também não economiza em diálogos expositivos - quando o avô e o pai brigam para ficar com o garoto, o personagem de Greg Harris repete exaustivamente que só deseja ficar com o filho para receber o auxílio financeiro, mastigando a informação para o espectador -, e a evolução moral do protagonista em sua relação com o neto é bastante previsível - no início, ele não deseja cuidar da criança e comete vários erros na missão, mas isto é superado com o tempo -, algo que demonstra a fragilidade da trama central, aparentemente lá apenas para auxiliar na concepção do humor. O trunfo desta, então, é que Vovô Sem Vergonha vai além de uma simples comédia de situações constrangedoras graças à relação entre os dois protagonistas, que apesar de evoluir previsivelmente, torna-se mais importante para o público do que as situações em si. Passamos a acompanhar o longa para ver o nascimento da amizade entre Irving e Billy, e o roteiro sabe explorá-la, utilizando algumas sequências e diálogos apenas para demonstrar o estreitamento dos laços entre a dupla, seguindo uma clássica estrutura de road movie em que relações desenvolvem-se durante uma viagem e estão diferentes no destino final em relação ao seu início. A trilha sonora também funciona muito bem no clima deste estilo cinematográfico.
E se Johnny Knoxville surge irreconhecível na pele do velhinho e funciona muito bem em sua composição dos trejeitos de um idoso caricato, quem rouba a cena por algumas vezes é o garoto que o acompanha, Jackson Niccol, dono de algumas sequências em que protagoniza a situação cômica, utilizando-se do cinismo infantil - como quando aborda pessoas na rua e começa a tratá-las como seus pais - em benefício de um ótimo timing cômico. Graças ao trabalho dos dois para dar vida a tantas trapalhadas e causar caos por onde passam enquanto vão tornando-se mais amigos, esta comédia dirigida por Jeff Tremaine torna-se uma das experiências mais hilárias que o Cinema nos trouxe este ano. Adaptando seu desenvolvimento de modo que as cenas dedicadas à exploração do mockumentary adaptem-se ao seu enredo e tornando seu humor mais leve do que o habitual para agradar a uma faixa maior de público, o longa entrega exatamente o que se propõe a fazer com honestidade e torna-se extremamente satisfatório para aquele que está a procura de boas gargalhadas.
Ainda conseguindo se livrar da armadilha de tornar sua fotografia uma imitação integral da atmosfera documental, Vovô Sem Vergonha comprova que não há problema em entregar uma produção que tenha como único objetivo a satisfação cômica, desde que ela cumpra bem com sua promessa, como neste caso. Mas a real e surpreendente validade desta produção é acompanhar o nascimento da amizade entre Irving e Billy - que ainda poderá render boas aventuras.
Observação: Os créditos dividem a tela com algumas cenas dos bastidores da produção, que apesar de terem como serventia provável apenas provar para o público que os envolvidos nas situações realmente não sabiam que tratava-se de um filme, são divertidas.
[Avaliação final: ***]
Até a próxima.
Leonardo, bem oportuno apontar o corte que algumas situações recebem, como a do supermercado. No entanto, como são flagras, acredito que o que vem a seguir é justamente a revelação da farsa. Ainda assim, como se trata de uma mistura de ficção com registros ocultos de reações reais, talvez os responsáveis pelo roteiro poderiam ter pensando em algo para driblar isso. De qualquer modo, me diverti à beça com o filme. Houve momentos em que foi impossível segurar a gargalhada, como o concurso de talentos mirins no último ato. Mais do que simplesmente engraçado, penso que tudo funciona porque há uma relação muito terna sendo desenvolvida entre os dois personagens centrais, tornando tudo ainda melhor.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo comentário, Alex. Não havia pensado nisto da revelação da farsa, é verdade, portanto, foi muito bem lembrado. E, realmente, a relação entre os dois protagonistas, como por você destacada e que cheguei a citar no texto, é o grande destaque do filme, que é bem divertido.
ResponderExcluirObrigado outra vez, e um abraço.