Gravidade [Gravity, EUA/Inglaterra, 2013. Direção Alfonso Cuarón]
Lançamento no Brasil: 11 de outubro de 2013, nos cinemas.
Qualquer singelo sopro de ar pode valer muito no espaço. Qualquer ideia singela pode representar muito mais para a Arte do que o aparente. Há obras que comprovam o valor de uma grande ideia por trás da execução, enquanto outras extraem reflexões inestimáveis da mais simples premissa possível. Felizmente, Gravidade aproxima-se mais deste segundo grupo.
Três astronautas localizam-se no espaço realizando a manutenção de uma base móvel para a Nasa, tudo corre bem e o trabalho é realizado com a monotonia de praxe dos que exercem a função, embora seja visto de forma fantástica por meros olhos terrenos. Quando o controle da Nasa abruptamente ordena que os astronautas abordem a missão, a base sofre uma chuva de destroços que a atinge e tira qualquer tipo de comunicação com a empresa. A dra.Ryan Stone (Sandra Bullock) imediatamente é solta em meio ao vácuo escuro espacial com pouco oxigênio em mãos, e o tenente Matt Kowalski (George Clooney) tenta recuperá-la. Estes são os únicos sobreviventes, e desta forma tentarão se manter, embora na maior das adversidades possível, até encontrarem outra saída de volta para a terra firme. Nisto se constrói o grande drama de sobrevivência situado no espaço que conduz Gravidade até o trabalho de sua execução.
Enquanto Matt é experiente na função e extremamente confiante na realização dos trabalhos, Ryan é insegura e não conta com tanto conhecimento do espaço, portanto, assim que os primeiros destroços atingem o local, a dra.Stone é a primeira a ser arremessada e deixada à deriva na imensidão, até que Matt realize o primeiro resgate e a leve de volta para a base. E é este personagem o responsável por trazer qualquer momento de presença de algum tipo de alegria ou bom-humor com o qual o longa conte, passando segurança ao espectador em seus atos, algo reforçado pela atuação de George Clooney, que embora tenha tido sua missão facilitada por um roteiro que coloca seu personagem para contar histórias rotineiras e ouvir músicas durante momentos de dificuldade, ainda rouba a cena em duas belas sequências do filme, mesmo que seja apenas com a voz, no momento em que entrega-se à morte para permitir à dra.Stone prosseguir na missão para sobreviver, ou apenas como uma ilusão, na sequência mais emocional da fita, em que a imaginação da protagonista, beirando a desistência, projeta a volta do tenente à nave em que esta está, após este ter partido, e embora nesta cena já tenha sido previsível desde um primeiro momento que aquela era apenas uma ilusão, não há como negar o lirismo presente neste instante. Enquanto Clooney pode permitir-se apenas a segurança e autoconfiança, é Bullock quem prova que pode ser uma grande atriz quando vivendo uma personagem que a permita fazê-lo, uma vez que, praticamente durante os 60 minutos finais, a atriz surge sozinha em tela, sem ninguém para contracenar além dos painéis verdes que projetam o espaço, e é capaz de tornar cada pequeno momento de dificuldade para sua forte personagem crível e tocante, apostando numa composição mais minimalista que ainda assim deixa transparecer toda a angústia na personalidade de Ryan Stone.
Mas nada seriam desses momentos tocantes não fosse pelo roteiro, assinado por Alfonso e Jonas Cuarón, que constrói o drama protagonista a partir de traumas passados desta - no caso, a morte de sua filha -, que torna extremamente compreensível para o espectador o fato de ela estar à beira da desistência a qualquer momento, justamente por não ter uma razão externa para continuar vivendo. Cada uma das adversidades vividas pela personagem proporcionam a extrema tensão que marca os felizmente contidos 90 minutos de projeção, que tornam a produção extremamente funcional como thriller, mas não é aí que reside sua complexidade. Alfonso Cuarón ensaia um estudo sobre a evolução de cada ser humano a partir de uma sequência na qual, assim que adentra-se à nave da EEI, Ryan por alguns minutos fica numa posição fetal sob a câmera imóvel do diretor, e caminhando até a chegada da astronauta na Terra, quando sente dificuldade para levantar-se já num território com gravidade e finalmente sente-se aliviada ao caminhar, numa alusão aos primeiros passos. A abordagem ainda consegue atribuir sentimentalismo e lirismo mesmo às sequências e eventos mais simples, como é possível perceber na partida de Matt Kowalski da trama, que embora tenha sido um personagem com pouco tempo de tela, consegue tornar-se um momento marcante.
Como mencionado em relação à premissa do longa, o grande ponto de Gravidade não é sua inventividade, mas sim sua execução. Portanto, a obra não é completamente original ou recheada de elementos inovadores, algo que não a traz grandes prejuízos. A criação do trauma prévio para a protagonista, por exemplo, não é uma questão complexa e poderia caber facilmente em dramas mais simples; o elemento externo inserido para dar a motivação necessária a esta mesma personagem - a citada cena da ilusão -, que abre o terceiro ato, poderia ser evitado em pretensão de outra decisão e o excesso de adversidades contínuas pela qual ela passa pouco antes deste momento poderá incomodar determinados espectadores. Numa época em que blockbuster algum - categoria na qual este aqui surpreendentemente se encaixou - é lá tão original, nada que atrapalhe muito esta produção, que pode não beirar a perfeição, mas funciona extremamente bem.
Justamente por seu grande mérito ser a execução, Alfonso Cuarón exibe um talento imenso na composição da mise-en-scène e no dinamismo com que conduz o longa, que une um olhar extremamente detalhista e sensível e, ao mesmo tempo, a capacidade de gerar tensão com eficiência. A fotografia de Emmanuel Lubezki é fantástica, aproveitando toda a beleza e profundidade da ambientação da projeção para tornar cada enquadramento digno de ser emoldurado - torçamos, agora, para que o Oscar 2014 possa finalmente honrar um dos melhores profissionais da área no Cinema atual. No entanto, a trilha sonora de Steven Price pouco arrisca a acaba passando apagada em meio às composições clichês inseridas para cada momento mais marcante. Ainda no campo sonoro, há de se destacar o extremamente verossímil trabalho de edição e mixagem de som.
Observar um trabalho tão belo e intenso como este que compõe Gravidade a partir de uma ideia simples, dois bons atores - ou apenas uma, na maior parte do tempo - e uma tela verde é realmente revigorante.
[Avaliação final: ****]
Até a próxima.
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